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terça-feira, 19 de abril de 2011

PARA ENTENDER A EVOLUÇÃO POR SELEÇÃO NATURAL









"Por que essa lagarta é verde?". A pergunta pode ser feita por uma pessoa leiga e até mesmo por um aluno de ciências e biologia. Uma das respostas possíveis para a questão supõe uma compreensão geral da teoria da evolução e um tipo de raciocínio contra intuitivo, que emprega a ideia de mutação aleatória seguida de um processo parcialmente não aleatório, a seleção natural.

A seleção natural
De forma resumida, podemos dizer que a lagarta é verde porque possui genes que fabricam uma substância que faz seu corpo ficar verde. A cor verde, portanto, é determinada por genes que existiam no corpo da lagarta.
Mas outra pergunta pode ser levantada a partir daí: por que essa lagarta tem um gene que a faz ser verde, em vez de ter um gene que a faria ter cor vermelha ou amarela, por exemplo?
Essa segunda pergunta pode ser respondida pela teoria da evolução - mais precisamente, pelo princípio da seleção natural. Nesse caso, podemos pedir à pessoa que imagine um bando de lagartas vermelhas, amarelas e rosas comendo e vivendo em plantações de alfaces, por exemplo. E podemos lembrar a ela que muitos pássaros alimentam-se de lagartas. Se no meio dessas lagartas aparecesse uma lagarta verde (com o tal gene para a cor verde), ela ficaria escondida, camuflada no meio das alfaces. Os pássaros que comem lagartas teriam dificuldade de enxergar essa lagarta verde. Ela teria então mais chance de sobreviver, virar uma borboleta e se reproduzir. Como essa característica seria condicionada por um gene, esse gene poderia passar para os filhotes, gerando ovos que originariam lagartas verdes.
Portanto, se a cor verde for determinada por um gene, as borboletas vindas das lagartas verdes iriam produzir mais lagartas verdes e, com o tempo, o número de lagartas verdes que vivem nas alfaces aumentaria. Com as outras lagartas iria acontecer o contrário: seu número iria diminuir com o tempo. Depois de muito tempo, talvez somente as lagartas verdes teriam sobrevivido.
Essa reprodução diferencial entre os diversos tipos de lagartas é um caso de seleção natural. Mas resta ainda outra parte da explicação: como uma lagarta não-verde pode originar uma lagarta verde?

O caráter aleatório da mutação
Leigos e estudantes de ciências e biologia do ensino fundamental e médio utilizam muitas vezes uma explicação lamarckista para responder a perguntas que envolvem adaptações: os organismos desenvolveriam certas características em função de seu uso e de suas necessidades - a língua comprida do tamanduá e o pescoço da girafa, por exemplo, teriam se desenvolvido em resposta às necessidades alimentares desses animais e ao uso desses órgãos. O contrário aconteceria quando o organismo não precisa de um órgão, que se atrofia.
O senso comum usa também uma linguagem finalista ou teleológica para explicar as características adaptativas dos organismos. Como diz o evolucionista Ernst Mayr em seu livro One Long Argument, há uma crença, que vem desde os gregos, de que tudo na natureza tem um propósito, uma finalidade pré-determinada, uma causa final. No entanto, a partir da teoria sintética da evolução (ou neodarwinismo), esse tipo de explicação foi substituído por outra, que reúne a seleção natural, a genética mendeliana e a mutação.
Contra uma visão lamarckista, há o fato de que apenas os genes que estão nos gametas podem ser passados aos filhos e que as características resultantes do desenvolvimento pelo uso ou de atrofia pelo desuso não modificam esses genes e, por isso, não seriam transmitidas aos descendentes. Se, por exemplo, um halterofilista desenvolve seus músculos com exercícios, isso não altera os genes de seus espermatozoides. São esses genes, e não seus músculos, que podem ser transmitidos aos seus descendentes.
Para que o resultado de um esforço muscular, por exemplo, ficasse "inscrito" nos genes e passasse para os filhos, seria preciso um sistema complexo de mudanças genéticas. Em primeiro lugar, teria de ser fabricada uma molécula com informações específicas para modificar os genes que influenciam a força muscular. Essa molécula teria de se dirigir aos gametas, localizar os genes que influenciam a força dos músculos e modificar de forma específica a sequência de nucleotídeos desses genes. O novo gene teria de produzir uma proteína que aumentasse a força muscular. Mas não há nenhuma evidência de que esse complexo mecanismo de "transformação dirigida" ocorra.
O conhecimento atual sobre o mecanismo do código genético apoia o fato de que as mutações ocorrem aleatoriamente e, portanto, não apoia explicações finalistas.
Dizer que as mutações são aleatórias significa que, apesar de as mutações poderem ser provocadas pelo ambiente, seus efeitos não são dirigidos por ele. Em outras palavras, o aparecimento de um mutante adaptado a um ambiente não tem probabilidade maior de ocorrer nesse ambiente do que em qualquer outro onde a mutação não seria vantajosa. Por exemplo, certa mutação que forneça ao organismo maior resistência ao frio não tem maior possibilidade de aparecer em um ambiente frio do que em um quente. Do mesmo modo, as mutações provocadas pela radioatividade não levam necessariamente à formação de uma característica que dê resistência à radioatividade. Essas mutações resultam em características novas, que podem não ter nenhuma relação com as necessidades de adaptação do organismo a qualquer fator do ambiente.
O raciocínio desenvolvido aqui é o mesmo que fizemos na crítica ao lamarckismo. Para que uma mutação que proteja contra o frio (fazendo o animal ter pelos mais grossos, por exemplo) não ocorra ao acaso, seria necessário que a temperatura baixa mudasse a sequência de genes que age no tipo de pelo e que essa mudança ocorresse de tal maneira que a nova sequência produzisse pelos mais grossos.
Outra forma de colocar essa questão é dizer que o tipo de mutação que aparece é causalmente independente de seu valor adaptativo, ou seja, não há uma ligação causal entre a chance de determinada mutação aparecer em um ambiente e as vantagens adaptativas que ela confere a esse ambiente.
Uma analogia (um tanto macabra) pode facilitar a compreensão desse fato. Suponhamos que uma pessoa passe todos os dias, na hora do almoço, por determinado trecho de uma rua e que, em algum momento, a construção de um prédio tenha sido iniciada nesse trecho. Suponhamos agora que exatamente no momento em que a pessoa esteja passando pelo prédio em construção, um tijolo escorregue da mão de um trabalhador, caia sobre sua cabeça e a mate.
Em princípio, poderíamos descobrir algumas causas para a queda do tijolo: a mão do trabalhador poderia estar suada, ele estava com problemas em casa e, distraído, não segurou o tijolo direito etc. Também podemos explicar por que a pessoa estava passando naquele momento pelo local: era o que ela fazia, pontualmente, em sua hora de almoço. Era também uma pessoa que prezava muito a pontualidade e a rotina. No entanto, não há uma ligação causal entre essas duas linhas de acontecimento, ou seja, entre essas duas linhas causais. Não temos evidência de que alguma forma de "energia" passou da pessoa para o trabalhador e aumentou a chance de o tijolo cair sobre sua cabeça. É claro que essa hipótese, como tudo em ciência, é conjectural. Uma investigação poderia mostrar, por exemplo, que o trabalhador conhecia a pessoa e a odiava e, num acesso de raiva, deixou propositadamente o tijolo cair sobre sua cabeça. Mas, na ausência desse tipo de evidência, resta apenas a hipótese de que a passagem da pessoa naquele momento e a queda do tijolo são fatos causalmente independentes, sem ligação causal entre si. De modo semelhante, também não há evidência de ligação causal entre a chance que um tipo de mutação tem de aparecer e o caráter adaptativo dessa mutação.
Em resumo, a mutação ocorre independentemente de seu valor adaptativo. A chance de uma mutação aparecer não é afetada pela vantagem que ela poderá conferir ao seu portador. Como disse o evolucionista Theodosius Dobzhansky, os genes não sabem como ou quando seria bom sofrer uma mutação. Mas não devemos esquecer que, se por acaso aparecer alguma mutação favorável, ela será selecionada positivamente e o número de indivíduos com a mutação aumentará com o tempo.

O caráter não aleatório da seleção
As características do ambiente apenas selecionam as mutações que surgem aleatoriamente. Estas não ocorrem "para o bem da espécie envolvida", nem são capazes de antecipar as flutuações que ocorrem no meio ambiente.
Finalmente, diferentemente da mutação, a seleção natural não é totalmente aleatória: não é por acaso que os insetos resistentes a inseticidas ou as bactérias resistentes a antibióticos aumentam de número em ambientes com esses produtos. Por isso, a evolução não é um processo totalmente estocástico.
Mutação e seleção natural não são os únicos fatores evolutivos, mas somente com a participação desses fatores é possível explicar as características adaptativas dos seres vivos.
O evolucionista Richard Dawkins resume a evolução por seleção natural da seguinte maneira: "A vida resulta da sobrevivência não aleatória de replicadores que variam aleatoriamente" (em inglês: "Life results from the non-random survival of randomly varying replicators"). Os replicadores correspondem aos genes; a sobrevivência não aleatória, ao processo de seleção natural.
Disponível em: <http://www.aticaeducacional.com.br/htdocs/secoes/atual_cie.aspx?cod=753>. Acesso em: 19 abr 2011

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